Exaltação da Santa Cruz

Confira o artigo de dom Amilton Manoel da Silva, CP, sobre a festa da Exaltação da Santa Cruz.

13/09/2022 16H30


No dia 14 de setembro, a Igreja celebra a festa da Exaltação da Santa Cruz. Se na Sexta-feira Santa celebramos com dor a crucifixão e a morte de Jesus, agora celebramos, em tom festivo, a vitória do BEM sobre o mal, a VIDA que venceu a morte, o AMOR que salvou o mundo. Trata-se de uma festa importante para nós, cristãos, que merece uma profunda reflexão.

Os primeiros padres da Igreja, faziam um paralelo entre a árvore que ofereceu o fruto do pecado a Adão e Eva (Gn 3), com a árvore da cruz, cujo fruto da salvação nos foi oferecido por Jesus Cristo. Assim, o que foi sinal de escândalo para os judeus e loucura para os gregos, com o Filho de Deus, crucificado no madeiro, se tornou sabedoria divina e centro de toda pregação (1Cor 1,23); raiz de todo conhecimento (1Cor 2,2); o modo de viver só para Deus (Gl 6,14) e a metodologia para seguir o Mestre (Mt 16,24; Mc 8,34; Lc 9,23). 

Os santos nos falam da Exaltação da Cruz: “Os amigos do crucificado deverão celebrar com alegria a festa da cruz” (São Paulo da Cruz). “Celebremos a festa da cruz, por ela as trevas são repelidas e volta a luz. Celebremos a festa da cruz, pois junto com o crucificado somos levados para o alto para que, abandonando a terra com o pecado, obtenhamos o céu” (Santo André de Creta).

Mas, que sentido tem exaltar a cruz, numa sociedade marcada pela violência, e que busca anular o sofrimento?

Por um lado, é “compreensível” a sociedade rejeitar a cruz: Jesus crucificado é sinal da maior violência que já aconteceu na história da humanidade. Repudiamos a sua condenação injusta, os maltratos, a desumanidade dos carrascos na sua Paixão e Morte. E como se não bastasse esse ato cruel do passado, estamos saturados de cenas de tortura e agressividade à nossa volta, cenas de guerras e de mortes... Vivemos dominados pelo medo de sermos a próxima vítima. A vida ficou vulnerável em meio a tanta violência, ódio e maldades. Mas isso justificaria a “frieza” em celebrar a cruz? 

Não! A questão é mais profunda, há uma insensibilidade para com quem sofre. Muitas pessoas não estão dispostas a sentir o que outros sentem, a se colocarem no lugar da outra pessoa. Cada um quer ficar na sua, em seu universo fechado. Ninguém quer ser perturbado em sua felicidade privada. A resposta que se ouve quando alguém tenta partilhar a sua dor é: “Isso não é nada!” E muitas vezes somos impactados com frases, como: “Pare de sofrer!”, mas a dor continua...

Para essas pessoas, exaltar a cruz é uma afronta, uma vez que tentam banir qualquer símbolo que lembra a dor, como se pudessem anular a condição humana. Ignorar a cruz é desconsiderar o que somos, é deixar de lado a nossa “carne” assumida por Jesus Cristo (Jo 1,14). É descartar a humanidade assumida por Deus, como se isso fosse possível. 

A cruz nos fala da história da paixão de nossos tempos. Mas, simultaneamente, ela traz esperança para o sofrimento porque foi superada na morte de Jesus na cruz. “Num mundo de sofredores, a cruz mostra que eles não estão esquecidos por Deus e que Deus olha, para eles e seu sofrimento, da mesma maneira que olhou para seu Filho na cruz. Os símbolos do sofrimento precisam ser expostos para que o esquecimento do sofrimento não fique ainda mais exacerbado. Pois quando o sofrimento é suprimido, leva à brutalização da sociedade” (Anselmo Grunn).

Não exaltamos um simples madeiro, o que seria idolatria; não exaltamos um instrumento de morte do passado, pois seria sarcasmo. Exaltamos a cruz, pois ela nos diz que o redentor em Jesus, não está num objeto de suplício, nem no sangue derramado, nem a morte tomada em si mesma, mas na atitude de amor, de entrega e de perdão que o levou a morrer crucificado. 

Exaltamos a cruz, porque o Senhor nos convida a contemplá-la, como convidou o povo no deserto à contemplação da serpente de bronze sobre uma haste (cruz), para ser curado das picadas de serpentes (Nm 21,4-9). “Há uma serpente que mata, mas há uma serpente que salva; este é o mistério de Cristo. O apóstolo Paulo afirma que Cristo Fez-se pecado. No simbolismo bíblico, poderíamos dizer: ‘Fez-se serpente’. O Filho do homem, como uma serpente, ‘que se fez pecado’, foi elevado para nos salvar. Mas quem é esta serpente que Jesus assume sobre si para a vencer? A resposta lê-se no Apocalipse de João: ‘Foi derrotada a serpente antiga: Satanás’. Jesus vence Satanás fazendo-se pecado. Assim, na cruz ele eleva todos nós. Por isso o crucifixo não é um ornamento, mas um mistério do aniquilamento de Deus, por amor” (Papa Francisco).

Exaltar a cruz é colocá-la diante do olhar de todos e deixar-se ser atraído por ela (Jo 12,32), para que nos sintamos continuadores e atualizadores da situação do servo sofredor, cuja Paixão injusta reclama redenção; uma convocação a ações que promovam a vida. Permaneçamos na escola da cruz. Ela tem muita coisa a nos ensinar...
 

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